quarta-feira, 8 de novembro de 2017

viscus

seu silêncio
grita

dentro dos meus tímpanos
despressuriza minhas cavidades nasais

pra perder
a memória do seu cheiro

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Resposta para Chico

tirei as portas
do armário do quarto
pra roupa pesada
poder respirar

mas as roupas fugiram
e nua nas bordas
me deixei ficar

seu sapato não pisa no meu
são dois sapatos
de salto
alto
a se revelar

foi quando me vi onírica
um pouco farta
um pouco lírica
lambendo a língua
pra me saciar

que mais uma vez o Chico
ou talvez seu amigo
foi lá fazer uma música
pra me apresentar

primeiro a atriz fingida
que mal se sabe sofrida
nasce no 8º andar
presa de um hotel
que mais parece um bordel
com paredes de giz
descascando
o arcanjo esperando
ou a morte
e o chapéu passar

essa atriz deu então seu lugar

à agora Beatriz
Bia, por um triz
que finalmente
vai falar:
fatalmente
talvez bem felizmente
já não são só meninos
os amados do meu altar

e não é só isso
mas o que me faz livre
o que assusta sua procura
é o que obviamente vive:
é que essa bela nua
queira esse e aquela

e - veja -
essa querela
ainda que nova
é coisa velha
é coisa pouca
e é coisa sua
porque minha
boca não vai parar

não é fase
mas vocês, frustrados
fantasiam-se a penetrar
duas
e mal vêem que as bolas suas
nesse mato não têm lugar

não é moda
mas talvez vocês, irritadas
confundam minha foda,
meu tesão por indecisão
e queiram me condenar

o mínimo que mereço
Chico
é o seu inverso
é um verso e não um blues
uma coisa bem popular

é o pau do gato e a Chica
num ritmo de alucinar

domingo, 16 de julho de 2017

o segredo

pela fresta da pálpebra
vejo a FENDA

fecho o olho
e o rosto todo
vira língua

               FESTA

despejo meu desejo
no desejo que vejo

beijo
a fenda que se mostra
                                em elipses
                   se molha
                                em eclipses
                   se curva
                                e turva
                   se oferece

  a-fenda-aberta-a-fenda-fechada
                      
         PULSA no LÁBIO


                   uma
               LAMBIDA
                      .
                  uma 
              LAMBADA 
                    de
               LÍNGUA
                      .
                   uma
              MORDIDA
                

e a fenda
vibrante
já se funde

             INUNDADA

[a língua que lambe laceia linha do limite, essa safada]


a fenda aperta
contrai e solta
elétrica, percorre em trilha

                   a PERNA
                 a BARRIGA
                e a VIRILHA

agarra 
arranca ranhuras
e de saída,
explode a mão na parede

             EPLEPSIA 

de braços
de bruços
aos soluços roucos
aos trancos

           ENXURRADA

E a fenda, chocada, entumece
incha e se fecha num casulo
de coxas

[engole minha língua e já não vejo nada]

e a fenda fenece exausta

vejo agora pela fresta

uma pausa, um beijo
e não é o fim da festa

quinta-feira, 9 de março de 2017

Elegia ao Problema

o problema é pedra bruta
que tempo e silêncio, secamente,
se encarregam.
lixa lenta, farpa-a-farpa

o tempo lima e o silêncio sopra o resto
a brita perde os erres e erros. esculpida e
seca, a pedra perfeita é polida.
o problema de fato, em frente está, pronto.

de repente, do escuro um grito - segura a esfera escorregadia!
e o problema - farpudo, arisco - mesmo seco, se escorria
cada aresta, que antes travava com o problema a solução,

limada estava e diluída pelo chão. lapidar um problema
com o sal do silêncio e do tempo - tem limite.
o dilema se foi, mas o poema, mesmo na lápide, insiste.

O Destino

um bom domingo
aos valorosos homens detentores do tempo
que podem, por bem do sistema, bem desanuviados
viver

aos
que leem assiduamente jornais e portais, e examinam detalhadamente cada espaço mínimo científico de discussão, e sabem

que assistem às famosas séries inglesas, americanas, urbanas e burguesas, plugados pra fugir do próprio vão, e fogem

para frequentar disfarçadamente sedentos as noites, todas as noites convenientes, atrás de sorrisos silenciosos, que certamente virão, e se vão

que tempo que tem de viver esses homens...

de alma lavada e cabeça feita
certa
mente

[enquanto suas ex mulheres às vezes púberes rotuladas minguam e catam os cacos dos seus egos desordenados pelas escadas de casa sob os próprios julgamentos do tempo que não passa senão aos domingos desde o domingo dos tempos]

será genético?
Evolução?
ou coincidência?

é do Destino uma displicência
ou a resposta ficou
mesmo no mesmo
caco quebrado
despedaçado
daquela forma fria
da minha infância?

.. .. ..

eu sou o asfalto da pós modernidade
seco
cinza
e salpicado de chapisco
onde você anda
inconsciente
com botas ferradas
por você chamadas
liberdade

receita para chupar figos

aceita o receptáculo
polpudo por natureza
sem reservas

segura o fruto bulboso
que se joga do galho
entumecido e fechado
escondido pelas folhas da floresta

advinha de dentro
o fogo da vida velada
o movimento
lento
que se projeta
do centro

suave e seguro
se oferece até que a fenda se faça turgida
e o ostíolo escancarado
mostre a fome do fruto
encarnado

vê as cascas inchadas
arregaçadas
as carnes entreabertas
o vermelho que se oferece
e o que escorre dulcíssimo
pela fenda

com a língua injetada
que acaricia
abocanhe a carne esfomeada
com a boca, com a bacia,
com o contorno da cara
deixa o cipó se enrolar no pescoço
como a mão espalmada no tronco
fazia, agarrando de baixo
os galhos esticados
e as estípulas arrepiadas
fresquinhas

aceita o desejo do fruto
de ver fundido
seu próprio vermelho
com o da boca faminta
e se delicia

bebe no fim o suco
da polpa que, devorada,
sacia.


terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

relatividade

você era o vidro
e eu a areia
da ampulheta deitada

o tempo não ia embora
nem vinha de volta

em volta de mim
o vidro inerte apertava

sábado, 4 de fevereiro de 2017

uma mulher

uma mulher
carrega consigo um segredo

um degredo
numa cela 
solitária

escondido no canto
dos lábios do sorriso
e como um saco de pecados
mal criados
dependurados
das pálpebras
pelas esquinas
de manhã

- Esse ônibus desce a Brigadeiro até o... 683?

no horário de verão
quando a memória 
se dissipa
no sol que desce
as mulheres carregam
seus segredos
à luz do dia
até mais tarde
pelas veias 
da cidade

à noite
colocam seus segredos
pra dormir mais
cedo
e tentam sair
de si

mas os segredos
seguram
sussurram cada segundo
nos copos de bebida
nos salmos do culto
em cada encontro

tropeçam em si
ao sair
e não se livram

na madrugada
retornam
escondidas como o cenário
da cela
uma cena de fundo
na sombra

Retorno.

afago meu segredo
no silêncio do escuro
o degredo
desse caminho
no contorno dos muros
que a sarjeta sugere
já sem medo

No horário de verão
quando amanhece antes do sol
meu segredo acorda
sem despertador
calça suas próprias sandálias
e banha-se sem mim

o segredo está 
pronto para o trabalho
parado na porta
me esperando passar

(25.outubro.16
28.janeiro.17
4fevereiro17)

RÁPIDO

embaixo de todos os sapatos
nas calçadas
entalado nos buracos
das esquinas mais recônditas
no desgaste dos monumentos
pela urina do Centro

RÁPIDO

parem o carro que ruge
contínuo
para que eu possa ouvir o poema
tresloucado
que preciso
sendo decantado
sarjeta abaixo
goela abaixo
aos gritos
surdos

antesquesejairreverssível

porque não é possível
que não haja
uma única mínima linha sensível
escrita nos fios suspensos
que se entranharam
em cima da porta
e da parede

RÁPIDO

reviremos as vias
as vazias
e as não
cada viaduto
e cada conduíte
e duvido
se não se encontre
em movimento
um único lamento
um verso sequer

RÁPIDO

pra que eu veja
a mudança
da cor do ar
quando me anoitece
de azul o tempo se tinge
e nada se distingue desse tom
os prédios no horizonte
se confundem
com a rusga de céu
que a Avenida permite
diluindo a linha do limite
enquanto os pássaros
desavisados
se estatelam sozinhos
no meu breu
espelhado

RÁPIDO