terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Ansiedade

Era a velha, sempre sentada na calçada
que, parada, varria
as folhas
ainda pregadas na árvore
porque o vento viria.

Esperança

Vazia é a sala.

A vala, fria,
abriga a espera arredia
que ainda dança
e inunda a crença
da vala invadir a sala.

Óbvio

O que não faz diferença,
diferenciado
está. Indiferente, mente
independe da vontade do ouvinte
que crê, lívido, na inverdade eminente.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Tropeçar

“Cada vez que tropeçasse, perderia um pedaço da perna”. Essa foi a maldição lançada sobre ela quando nasceu. Como acabara de nascer, não ouvira as palavras proferidas decretando seu destino, durante o primeiro choro seco sem lágrimas e já aí, tropeçando em si, perdeu a primeira unha do mindinho.
Aprendera a andar com um esforço hercúleo. Porém, como ainda era inteira, perdia pedaços das unhas quando falhava. As unhas cresciam novamente e ela podia hesitar um pouco mais antes de pensar que poderia aprender a calcular cada passo. Não aprendeu.
Perdeu o primeiro pedaço definitivo de perna, o dedo mindinho direito inteiro, aos seis anos, tropeçando, na sala de casa, nas alças longas de uma mala que não era sua. E durante um tempo, tropeçaria na mesma sala da mesma casa em mais outras tantas coisas que não eram suas, perdendo dedos, planta dos pés, beirando perder o calcanhar.
Quando deu-se conta das pernas incompletas, que o eram por sua culpa, deu-se conta de que tropeçar era a causa e caiu no desespero de não poder cair. Acabou por perder os dois pés nessa queda. Abandonou a mesma sala da mesma casa onde perdera o primeiro mindinho enroscado numas alças longas e alçou vôo para longe.
Voando, não andava. Não andando, não tropeçava. Sem olhar pra baixo, estava imune de perder-se parte a parte. Voou por muito tempo, alto, longe, cegamente. Voou até alcançar a altura instransponível do tempo. O tempo passara tanto e tão rápido enquanto voava que chegara a esquecer a maldição, a ausência dos pés. O desequilíbrio da ausência dos pés. Desceu ao chão.
Esta queda brusca e alta custou-lhe o tornozelo e a crença que podia andar sem ele, impensadamente. Sentada, pernas incompletas esticadas, observou-se pela primeira vez. Apesar da ausência dos membros, era capaz de enxergar cada cicatriz que as perdas lhe deixaram. Era capaz, agora, de ver que não era ela a culpada. As parte iam-se quando ela caia, sem que ela mandasse. A maldição era exterior a ela. Entendeu.
Sistematicamente, construiu apoios para os tornozelos. Com rodas, com estruturas firmes que a mantivesse equilibrada, mesmo que a base de apoio fosse fraca. Acoplou ainda às rodas, um mecanismo de freios, que controlasse a velocidade com que correria, desacelerando-a quando, impulsivamente, esquecesse a maldição. Auto controle. Perfeição.
Assim, pôde voltar à mesma sala da mesma casa do início dos Tempos. Suavemente rodava pelos corredores, sabendo onde ir, guiada por uma razão embasada pelo sistema planejado de sustentação e freios. Sabia quando estar e quando partir. Quando julgou necessário, sem que isso, dessa vez, lhe custasse qualquer centímetro de pele, partiu.
Era tanta razão, era tanto controle, era tanta técnica, que esqueceu-se dos perigos. Quando deu por si, corria desesperada. Confundiu o vento das alturas com o vento de ladeiras íngremes e atirou-se. Quando deu-se pelo abismo no fim da rampa, era tarde. Seus freios já não valiam. Sua estrutura já não valia. O sistema perfeito falhara. Ela falhara.
Espatifada, insone, alheia, perdeu as canelas até os joelhos desarticulados. Tinha agora a metade do tamanho ideal. Sentada no fundo do abismo, diminuindo ainda, entendeu que não haveria estrutura no mundo capaz de controlá-la. Malditas palavras proferidas ou benditas palavras profiláticas? Deveria ter-se guardado ao nascer, cega às alças longas e asas salvadoras? Ou cada parte perdida seria simplesmente uma parte sua guardada fora de si, para ser, um dia reencontrada e realocada, devolvendo o equilíbrio infantil que perdera?
Era ainda capaz de ver as cicatrizes. As antigas e as novas. Impensadamente, postou-se a reconstruir um sistema de apoio, de estruturas fortes, e principalmente de freios mais eficientes, agora acoplado aos joelhos. Veria o mundo de baixo, mas jamais deixaria de ver.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Catatonia (modificado)

Eu não sei onde estão os meus livros de poesia. Eles ditam as regras das rimas, os ritmos e os rumos das linhas nos versos que eu faço. Mas agora, não sei onde estão os meus livros de poesia.
Às vezes, sem os livros, ouço as vozes dos versos sussurrando no meu silencio e esses são momentos raros. Agora não é um momento. Os meus livros de poesia se perderam na bagunça organizada do meu dia.

Abro a porta pela manhã
abro um email da professora Emeline de Castro
abro Drummond na tela
abro a Folha
o email
o poema
a notícia

Fecho a porta no fim do dia
e os meus livros de poesia
não estão lá

Se foram com as linhas que sustentavam os meus versos.

as
palavras
caídas quebradas em
letras amontoadas sem sentido
silenciosas escorreram pelo limbo
[até o rodapé]

nem regras nem rimas nem ritmos nem versos desalinhados
[a lauda anulada]

Desço do ônibus
sento no banco do Trianon
deito o caderno no chão
durmo insone no meio da Avenida
o banco
o caderno
Avenida


Paraliso no fim da via
e os meus livros de poesia
não estão lá.