quarta-feira, 30 de junho de 2010

Previsível.

Enquanto passas em Rotação Universal,
vejo minha vida passando, expectante.

Obviamente esquecendo o verso óbvio.

Me perdendo em redundâncias,
me afogando em memórias perdidas e mesmo por mim esquecidas,
afago o trago programado
e me preparo.

- o futuro será o mesmo.

[26.06.2010]

Covardia.

Enquanto a vida vivia venturosa
Eu olhava-a, viva, lacuna vaga
Da minha alma, pelo olho mágico
Da porta cerrada que beirava a rampa.

Pulsava implosivo, na imobilidade dos pés,
O descompassado diafragma. Fincados no chão.
A vida vinha, ventava em mim,
Levava o vazio, voltava.

Enquanto o rosto inerte, incoerente,
Sorria.

[31.05.2010]

utilidade

diria o indizível
se me visses
invisível,
se te mostrasses
- o caos -
como antes.

seria impossível
que olhasse no olho
imóvel
e lá não me visse,
devassa e descartável
como sempre.

engoliria trombas de elefantes brancos
pra alargar a garganta
e te engolir num trago
languido,
largo.

suportaria o ir e vir
da tua indecisão
elástica,
dona dos passos
curtos
que os teus pés
largos
hesitam em dar.

calaria o grito
impróprio
do trato ingrato
de abandono pré-datado
que, ilusório,
deliria a memória.

seria simples:
sumiria
eu, e toda a minha poesia.

[16.02.2010]

subito sonho

eu senti seu cheiro
na nuca sua
me veio a saudade
dos cheiros seus
que senti nessas saudades

e encostei meu nariz
no ondulado cabelo seu
pela ondulação
dos meus olhos
até o limite da lágrima
quebrando

e então te abracei as costas
e apertei tão forte
que empurrei sua alma
na minha

e te mordi tanto o pescoço
que te guardei
um pedaço na boca
engolindo
num susto tanto

que despertei.

[10.02.2010]

futuro do pretérito/ condicional

nem toda a sua realidade
me tirará o prazer
de enquadrar e congelar cada uma das minhas lembranças.

seus defeitos
seus pêlos
seus pés
o seu reflexo no espelho
e o seu descontrole de fim de noite
seriam censurados e repintados na minha memória.

eu seria capaz de sonhar cada ausência prevista
cada dilema covarde
cada escolha fugitiva
como um romance urbano, psicossomático.

eu seria capaz de delirar a cada adeus
a cada vez que sou trocada
por sonho
por dor
por liberdade, por qualquer coisa.

eu te esperaria eternamente,
se isso fosse substrato suficiente
pras minhas poesias baratas.

Será?

[16.01.2010]

Buraco debaixo da terra

Quando eu morrer
Me ponham debaixo da terra com passeatas pela paz em camisetas com meu rosto e silêncio.
Quando eu morrer
De tráfego
De cimento
De cinza de poluição visual
Intoxicada pela megalópole-correria onde o dia tem a metade do tempo,
Vocês vão saber que eu amei
As pessoas que assumem não enxergar um palmo a frente de si.
Os tantos rostos que passam despercebidos sempre.
Que eu amei a verdade explícita em cada prédio pós-moderno superlotado.

Porque mais vale o emparedamento metropolitano à inércia do canto dos pássaros escondendo tanto julgamento.
À cordialidade querendo vos ver às costas.
À paciência só servindo à perda de tempo em falatórios especulativos e falsos.
À inocência ridícula fingindo não ver em nome de ideais inúteis.

Quando eu morrer há de ser lá.
Porque onde não há fumaça, morre-se de inveja.
Onde não há esgoto, tóxica é a mentira.

Porque a única coisa que corre sobre o planalto provinciano é a arrogancia e a falsidade.

[11.11.2208]

à queima roupa

queria segurar sua mão sem ser consolo
e levar você
sem segurar sua mão
com as mãos falando
dos seus dedos de delicadeza disfarçada

queria uma história pra te contar
antes de dormir, antes de viver
aquela história, com outro final
onde tudo começa...

queria que essa sua ansiedade
fosse a calma que eu sinto
quando vejo que você chegou
e a sua janela da minha janela
tá completa

eu queria que as surpresas da minha noite
não fossem saídas furtivas
de mistérios lacrimejantes
à portas fechadas, à queima roupa
e sem luz no fim

eu queria ver você
pra ver você saber
de você
e saber de você
o que você vê
de mim em você

(12.06.2008)