quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Ato I - Antes do ato (des)atinado

Atrás da coxia
pela fenda o olhar da Lua
a menina
com a mãe
nasce

nasce frágil, crua
da mão da mãe
a culpa
das duas
primeira pitada
de menina nua.
depois
panela
agulha

pernas fechadas
embaixo
da saias

No camarim
mirim ensaia:
o olhar languido
o silêncio
o sorriso
uma língua alheia
agora, sua.

- Respira.
Repassa o suspiro
Repassa a recusa
Repassa a saia - curta
Repassa, passiva
- Respira.

- Abre-se às cortinas.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Assédio

Cercada de porcos, com olhos de porcos mirando exaltados meu sexo cego
Vai ver viu
o que não devia.

Cercada de porcos, com focinhos de porcos, farejando molhados meu sexo seco
Vai ver viu
uma canela do século XXI

- Piada?

Cercada de porcos com patas
bifurcadas
em cujo meio
- se encaixam seus paus masturbáveis e o meu sexo alheio -
desapropriado de mim.

Assim, o porco chafurda onde afoga-me a culpa

mea culpa:

Porque vim assim?!?
porque trouxe comigo
apenas
pernas-tetas-barriga
porque as trouxe com a buceta,
ao metrô, à escola, ao trabalho?!?

é o CARALHO!

Cercada de porcos por todos os lados.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

LUZES CURO

... de dia
todo dia
LUZ
sou martelo
sou adulto
desdobro
dia todo
- cansa...

... de noite
meia-noite
ESCURO
sou sorriso
escorregadio
tudo dança
viro abóbora
voo criança...

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Palavras mudas escritas escondidas para não serem ditas

A poeta e a profeta se encontraram para parafrasear.
Sobre as suras e os salmos versa a poeta
enquanto
sobre o ranço da alma secreta a profeta versa.

Vice-versa.

Na conversa
vice-Deusa, a profeta encaminha a mensagem
enquanto
versa a poeta sobre a dança, à distância
- da poeta e da profeta -
separadas pelo abissal de duas consoantes
seus sons
seus compassos
pulsos e repousos
co(n)versam.

A onda da linha do limite que as liga vibra a vida dessa dança.

A poeta e a profeta parafrasearam
pausadamente
a poesia da sua dança à distância;
desenharam
mentalmente, mas
com a linha de uma caligrafia ímpar em cada pé
a profecia-partitura impressa na pauta
impresso um conto, ponto-a-ponto,
compasso diminuto
A valsa, enfim.

Do lento da linha, do lado do passo, da pressa da partitura
de cada compasso composto
complexo
de cada cacofonia
a poeta e a profecia parafrasearam
a palavra, a fenda e a poesia.

domingo, 24 de agosto de 2014

Correnteza
de nós discorrem
pra dentro
do caldo
turbulento

Caldo de gente
caldo quente
que derrete

Faz e desfaz
o cenho
o punho
no banho
um ranço velho
já morto
se dilui dentro
do caldo
turbulento

Mas o caldo fervente
também decompõe
o que faz
e desfaz
os fatos e fatores
compositores
do Humano.

Um caldo de gente
descoberta de pano
de carne, de nos
desfeitos nós
nós diluindo-nos
Lendo-nos nus

- CORRENTEZA

de dentro do quadrado
do turbulento
do caldo
num quarto descolado do mundo
a Hidra emerge
em cada sentença
uma cabeça
a cortar, a cauterizar

- CORRENTEZA

diferentemente
a cabeça imortal
afundou
foi viver a velhice
seca
na cadeira de balanço.

terça-feira, 29 de julho de 2014

vinte e nove de julho

uma mulher
é o seu contrário
dentro dela

muitos contrários
se assemelham
e se destratam

se completam
e se contratam
mas apartados

se afastam. a
fenda
cinde uma mulher.

uma mulher
são várias
mulheres dentro dela

a que deve ser
a que pode ser
a que quer ser

Possível e Impossível
como irmãs – mãos dadas
porém apartadas.

uma mulher
passa fome
dentro dela

passa existência passa
resistência passa desistência
passa, insistentemente, passa

a passadas se distancia
digere a fome da mulher que foi
da mulher que foi fome indigesta

passa. uma mulher
afasta a fenda dentro dela
e se esvazia. uma mulher

se enxerga desafia
as várias mulheres dentro dela
os seus contrários

os seus contornos
os seus contratos
dentro dela

ao contrário. ao contrário
não ser, tornar-se
tratar-se traduzir-se

ser. uma mulher
existente passa se transforma
pela fenda dentro dela

a mulher inguardável.
a fenda não se fecha
mas a ferida

a linha do limite costura
.
uma mulher

sexta-feira, 25 de julho de 2014

É o circo do condutor do exército
O cargo mais baixo em cima do mais embaixo
o que se vê
só.

Empunhar a corda
arremessar
infalivelmente.

a força a direção a duração
onde há fraqueza
a frieza

o leão tem tantos dentes, incontáveis
Invisíveis
Amedrontados.

A corda do condutor do exército
cerca o circo
e
de repente

Todos sabem.

sábado, 12 de julho de 2014

Três atos

BE-ATRIZ
rótulo primeiro
por fora colado
calada
pela Matriz
a Guia pelo Paraíso
revisitada

BE-ATRIZ
- Faça aos Outros
feliz!
Seja-Finja
Fina
esqueça
essa verdade cindida
Bia, por um triz.

BE-ATRIZ
sob o nome
finge a fome
escondida no sorriso
Finja
que fecha os olhos
e retorna
ao Paraíso.

domingo, 6 de julho de 2014

agora
não toca, a gaita
gaiata.

agora
muda, a gaita
me mede.

agora


ainda que gaita
ainda que gaiata seja
já não o toque se deseja

antes tarde
depois nunca
agora é cedo
pra sempre.



quinta-feira, 26 de junho de 2014

Sejamos.

Não me encomendem em nada
Não me peçam
Não me planejem
a minha ânsia
tem que ser maior
que qualquer ansiedade
por mim

Não me confundam entre pronomes
Meu nome é Eu
não Você e
nem ainda,
Eles.

Se em eu-FAÇO
eu fosse eu mesma
e a mesma língua portuguesa
O-sintagma-nominal-de-gênero-O-femininO
faria
FAÇA:
uma ordem.

- Ânsias?

Mesmo desordenada
a minha ânsia
tem que ser maior
que qualquer ordem
em mim.

Não me encomendem
porque encomendo-me a mim
Não me peçam
porque peço-me a mim
Não me planejem
porque planas nunca fomos.

Somos.
a Presença
é a barra
pulsando pesada no peito
todo tempo
pedindo
palavras.

à Ausência
dou a farra
fluindo mente adentro
todo tempo
sussurrando
asas.

sábado, 14 de junho de 2014

O poema mais estúpido que eu já fiz

todo mundo
quando
fica sozinha
nessa solidão sapeca
cozinha
macarrão com sardinha

ou Seleta!

terça-feira, 3 de junho de 2014

É tanto frio
que nem a manteiga
dias a fio
fora da geladeira
derrete.

domingo, 25 de maio de 2014

Roupa.
Depois da terapia
Fugir pela pia
Ou esfregar a roupa
Encardida e a terapia
A terapia e a poesia
Esfregar ate sangrar

Terapia.
Depois de seca
A roupa esfregada
Ainda na sala acumula-se
Ainda na parede escora-se
A poesia ainda esparrama-se
Ainda que quarada
A poesia amontoada
Manifesta-se inguardável

Poesia.
Depois de vazia
Alma lavada, velha
Vejo a poesia
No breu amontoada
No vão da sala invisível
A fenda esconde
A poesia alvejada
E não responde
Onde guarda-la.

terça-feira, 20 de maio de 2014

Leaving room
Leaving home
Living room.
Diz que
Deus
- o Criador!
Cria o gado
e
Cria o pasto
Cria o parto
e
Cria dor

Antes da Salvação
Salvo e são
Era o corpo
E diz que Deus
Desde então
Cria crime
e
Cria punição

Diz que cria
E que descria
E que descreve na Bíblia
Que o que cria
É Regra
Deve sempre ser
Cumprida

Cria o lacre
violável
Cria a cria
Indesejável
Cria a cerca
Cria a perda
Cria a casa
E a cozinha.

Cria a cor
Cria o cabresto
Cria um cesto
De pecados
Mal criados
Na encruzilhada
Cria Negra
e nega a cria

Seu criado,
Deus dizia
Que
Quando cria
Sua Cara pia
É criada
pela própria
cria.

sábado, 3 de maio de 2014

A princípio muita coisa caiu, ao contrário do que se pensa do princípio, onde se principia. O princípio foi o fim e, no fim aqui há muito mais princípios do que antes. Mudam-se os princípios nos inícios e o fim principiado está. É engraçado e triste. Dentro da minha vida, outras vidas. E fora de mim, inserida em outras vidas de outras vidas, a minha vida. Fractal. Fractada. Fragmento.

Vidas malabarizadas como esferas de vidro (des)equilibrantes, que rolam no ar ao alto evitando o choque. No meu malabares, o choque é o alvo. O choque é o limite que produz a linha. O choque produz a linha e o malabarismo, malemolentemente, a vibra. A vida é o choque e o malabarismo. Tem dia que é de linha. E tem dia que onda.

Começo a contar uma história e vira logo um poema prolixo. Pro lixo com tudo. Queria dizer que sempre foi só abandono, porque é isso que não lembro, mas lembro. Queria dizer que sempre foi só esperar, simples. Queria dizer que tudo não passou de sentar na cama à noite e fechar os olhos. Logo, sentar na cama diariamente e fechar os olhos, de olhos abertos. Eu queria dizer. Eu queria, mas o poema, pro(-)lixo.

É tanta coisa que o começo não começa, o começo só planeja. Planeja e pestaneja, que se perde sem destreza, vagaroso e amedrontado. É tanta coisa que ferve, que marulha, tanta coisa que se afunda até o fim e se afoga, tanta coisa jorra. A coisa e o começo não se entendem, a coisa ferve e o começo vaza.

No começo, nada. A água do começo, metaforizada na água. Aprender a nadar pra nadar a despeito do ranho branco que cobria, escorregadia. Aprender a nadar pra longe da luz, pra dentro. Nadar pra não fugir, nadar pra não sair pelo canal, leito do primeiro rio, vermelho e berrante, arfante. Infante. Nadar pra antes do tempo.

sábado, 26 de abril de 2014



Uma namorada velha tem aval pra escrever impropérios livremente - aos olhos, os velhos. Silenciosos, imperceptíveis. Simplesmente propósitos irrelevantes.

Uma namorada velha, sentada na poltrona, toma chá. E ouve recorrentemente. Uma namorada velha não serve pro frio no estomago, pro brilho do olho, pra fogos de artificio. Uma namorada velha é composta basicamente por ombros, orelhas e olhar reconfortante. Uma namorada velha é uma coadjuvante num roteiro central de outras paixões, é fio condutor da segurança de voltar, mas não o motor da querença de chegar. Uma namorada velha sabe a hora de calar, sabe a hora de sorrir, sabe a linha do limite e quando não ultrapassar. Uma namorada velha já foi feita pra namorar.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Brega

Brega
é um bife de segunda
batido na tábua com martelo
dentado de madeira
da batata feita palito
do ovo na frigideira
estatelado
com cebola na lágrima alecrim
fritada

é sentimento diário
de um feijão preto
de um arroz branco
com a acidez rancorosa
de uma laranja coadjuvante
mastigada
com a couve verde viva
refogada

é fome fácil
da cachaça com limão
de comer com pão
e dentes
a carne e a pimenta
salada
de um alface verde insosso
temperada

Brega é brigadeiro
queijo com goiabada
o puro creme do milho verde
coco abroba cravo
mexido quente de tacho
Brega é o cotidiano dissonante
de comer sempre a sobremesa antes.

Brega do beijo molhado
do peito rasgado
do gingado de conhaque
debruçado no balcão
Brega do ombro amigo
Brega do deixa disso
Brega da solidão

enquanto a música voa
o Brega se joga no chão.

domingo, 23 de março de 2014

só-hoje-só
a matraca do biju ecoa
ininterruptamente
ladeira
acima
.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Descobertas,
Voltam pra casa às
Seis
vezes
Sextas
vezes
Sozinhas.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

VA

V-iajar divide a vida em dois
o que vai
e o que volta
quem vai
e quem volta
vai
e
volt-A