quinta-feira, 9 de março de 2017

Elegia ao Problema

o problema é pedra bruta
que tempo e silêncio, secamente,
se encarregam.
lixa lenta, farpa-a-farpa

o tempo lima e o silêncio sopra o resto
a brita perde os erres e erros. esculpida e
seca, a pedra perfeita é polida.
o problema de fato, em frente está, pronto.

de repente, do escuro um grito - segura a esfera escorregadia!
e o problema - farpudo, arisco - mesmo seco, se escorria
cada aresta, que antes travava com o problema a solução,

limada estava e diluída pelo chão. lapidar um problema
com o sal do silêncio e do tempo - tem limite.
o dilema se foi, mas o poema, mesmo na lápide, insiste.

O Destino

um bom domingo
aos valorosos homens detentores do tempo
que podem, por bem do sistema, bem desanuviados
viver

aos
que leem assiduamente jornais e portais, e examinam detalhadamente cada espaço mínimo científico de discussão, e sabem

que assistem às famosas séries inglesas, americanas, urbanas e burguesas, plugados pra fugir do próprio vão, e fogem

para frequentar disfarçadamente sedentos as noites, todas as noites convenientes, atrás de sorrisos silenciosos, que certamente virão, e se vão

que tempo que tem de viver esses homens...

de alma lavada e cabeça feita
certa
mente

[enquanto suas ex mulheres às vezes púberes rotuladas minguam e catam os cacos dos seus egos desordenados pelas escadas de casa sob os próprios julgamentos do tempo que não passa senão aos domingos desde o domingo dos tempos]

será genético?
Evolução?
ou coincidência?

é do Destino uma displicência
ou a resposta ficou
mesmo no mesmo
caco quebrado
despedaçado
daquela forma fria
da minha infância?

.. .. ..

eu sou o asfalto da pós modernidade
seco
cinza
e salpicado de chapisco
onde você anda
inconsciente
com botas ferradas
por você chamadas
liberdade

receita para chupar figos

aceita o receptáculo
polpudo por natureza
sem reservas

segura o fruto bulboso
que se joga do galho
entumecido e fechado
escondido pelas folhas da floresta

advinha de dentro
o fogo da vida velada
o movimento
lento
que se projeta
do centro

suave e seguro
se oferece até que a fenda se faça turgida
e o ostíolo escancarado
mostre a fome do fruto
encarnado

vê as cascas inchadas
arregaçadas
as carnes entreabertas
o vermelho que se oferece
e o que escorre dulcíssimo
pela fenda

com a língua injetada
que acaricia
abocanhe a carne esfomeada
com a boca, com a bacia,
com o contorno da cara
deixa o cipó se enrolar no pescoço
como a mão espalmada no tronco
fazia, agarrando de baixo
os galhos esticados
e as estípulas arrepiadas
fresquinhas

aceita o desejo do fruto
de ver fundido
seu próprio vermelho
com o da boca faminta
e se delicia

bebe no fim o suco
da polpa que, devorada,
sacia.