Eu não parava. Mas mal me lembro dos dias, me lembro mesmo é das madrugadas. Dos copos, canecas, garrafas. Do mundo sempre com os olhos cravados debaixo da bandeja. De como a musica ensurdecedora silenciava meus pensamentos. De como o silêncio gritava nos intervalos. A vida correu com a bandeja por cima, nesse tempo. Foram pessoas e mais pessoas e mais pessoas. Foram milhares de olhos diluídos na bebida servida e tomada, encharcada. Pingava de um lugar para outro, sorrateira, sempre à noite. Na madrugada. Na madrugada, o olho diluído estala mais. Antes de agora, o que era trabalho saiu da madrugada para uma esteira parada de dia. Parada atrás do ritmo repetido da registradora; o tempo encolhia para segundos. O dia durava segundos. À noite, a vida acontecia. O mundo que era novo e esperado acontecia. Ventava venturoso. Pensava, sem querer, que a maior parte dos meus novos amigos eu nunca tinha visto sob a luz do sol, como os amigos antigos. Nenhuma vez. As coisas só são realmente claras à noite. A luz é à noite, quando nada ofusca a vista, contorno nítido, cores exatas. Minha memória de madrugada, ainda assim, tem transversais demais. O bêbado bebe à noite pra que os contornos exatos das linhas o ajudem quando embaralhá-las. As angustias também devoraram as madrugadas. Quanta cerveja salgada de choro, conhaque. Andares incertos. O silêncio da rua de madrugada, diluído, plurifalava tudo ao mesmo tempo. A madrugada são braços de pelo preto onde se desmorona depois. Não sei como nem por onde, mas a certeza vaza, extravasa; de madrugada . Às vezes inunda, às vezes só seca. E depois de tudo, passou à madrugada esfumaçada o prazer e a dor. Soprava risadas e gritos, transpirava gemidos e mudos, silêncios e vozes misturadas. Nem sempre contidas pelas paredes frias, a madrugada flamejava. O dia já não importava, claramente; a noite sempre era. Sempre seria.
(maio.2010)
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